domingo, 18 de outubro de 2009

LP Ney Matogrosso - Ney Matogrosso


Integrante de maior destaque dos Secos e Molhados, grupo de estrondoso sucesso no início dos anos 70, Ney Matogrosso saiu em carreira solo depois de desentendimentos com os outros integrantes do grupo e a briga foi feia, com acusações de ambos os lados, principalmente com o João Ricardo que se achava o dono do grupo.

Com o estardalhaço feito, e uma saída nunca muito bem explicada, cresceu a expectativa diante do primeiro disco solo do cantor de falsete e figura andrógina, afinal nas trocas de farpas cada qual que quisesse tomar para si como sendo o responsável pela qualidade sonora dos S&M.

Rodeado de tantas expectativas e sendo vendido como uma novidade absoluta, o disco foi considerado na época como um tanto exagerado, a figura de Ney com sua vestimenta a la o homem de Neanderthal e a propalada utilização de um papel para a capa que exalava um cheiro de mato, não ajudou muito no sucesso do disco, não foi muito bem compreendido pelo grande público.

Incompreensão a parte, a verdade é que o disco musicalmente é excepcional, uma verdadeira rutura que Ney teve a coragem de propor ao seu público, como se quisesse mostrar que o cantor dos S&M estava definitivamente enterrado, cheio de experimentações musicais, acordes dissonantes e um tanto dificeis de se assimilar em uma primeira audição, repleto de arranjos elaboradíssimos e rebuscados era a prova de que ali não estava apenas o cantor de voz "diferente", Ney se integrava a um time de músicos de uma qualidade acima da média comandados pelo trumpetista Márcio Montarroyos.

O disco inicia com "Homem de Neanderthal" que dá o tom do que viria pela frente, com seus sons guturais e da natureza, mostra que a intenção era de fazer um disco ligado a terra, o mato, como o cheiro que realmente exalava de sua capa, pelo menos por alguns dias. A sua versão para "O Corsário" de João Bosco e Aldir Blanc, até hoje é insuperável, segue com "Açucar Candy" de Sueli Costa e Tite Lemos, com uma letra de uma sutileza que não deixava mais dúvidas quanto a opção sexual do cantor, só não entendeu quem não quiz, a turma da censura não deve ter entendido.

Sempre com arranjos rebuscados, o disco segue com músicas de alto calibre para fechar com chave de ouro com sua três últimas canções, "Barco Negro" de Piratini e Caco Velho uma espécie de guarania muito bem interpretada por Ney e com um solo de violão maravilhoso, "Cubanacan" é uma salsa dançante que se inicia com um ótimo solo de trumpete e fechando tudo "América do Sul" que se tornou o sucesso do disco, executada até hoje.

Acompanhava o LP um compacto com duas músicas do extraordinário Astor Piazzolla, gravados na Itália, onde morava, com acompanhamento do próprio, um luxo que poucos artistas conseguiram ter, principalmente quando se sabe do nível de exigência do compositor de "Adios Noninos". O compacto tinha de um lado "As Ilhas" de Carneiro e Piazzolla que simplesmente arrasa com seu bandoneon dando uma beleza diferente a voz de Ney, do outro lado "1964" de Borges e Piazzola, um tango belo e soturno como só Piazzolla sabia fazer.

Este disco pode não ter tido o sucesso que se esperava na época, mas mostrou a capacidade e excelência sonora do cantor Ney Matogrosso, provado posteriormente pelo enorme sucesso alcançado até hoje.

Ano de lançamento: 1975

Ano de aquisição: 1975

3 comentários:

  1. Brilhante texto sobre um disco brilhante. Tenho em vinil, mas nunca consegui em CD. E olha que ainda insisto em comprar CDs.

    ResponderExcluir
  2. Miguel, um elogio deste partindo de um Mestre em letras é bastante lisongeador, obrigado.

    Pelo visto, o seu bom gosto não é só na literatura, na música também, vide Rita, Ney e Bowie.
    Como este disco não obteve sucesso na época, por ser um disco difícil, talvez seja um motivo de não terem lançado em cd.
    Uma curiosidade, o teu LP teve o cheiro de mato? foi o que veio com o compacto?

    Abraços e obrigado pela visita.
    Robson

    ResponderExcluir
  3. Rapaz, não teve o cheiro de mato não, porque eu já comprei o disco num sebo lá pelos idos do final da década de 80, onde eu conseguia algumas raridades. Mas vinha sim com o compacto, bem avariado por sinal, tanto que nunca tive paciência de ouvi-lo com tantos chiados e pulos repentinos.

    Gosto muito de ler seu blog. Você tem um conhecimento musical vasto e suas observações são muito fundamentadas.

    ResponderExcluir