sexta-feira, 30 de abril de 2010

LP Alucinação - Belchior

"Se você vier me perguntar por onde andei
no tempo em que você sonhava,
de olhos abertos lhe direi:
- Amigo, eu me desesperava"

Nove entre dez jovens adolecentes ou pós adolecentes foram influenciados por estes versos nos idos de 1976, a ditadura militar ainda imperava, apesar da já prometida abertura, mesmo que "lenta e gradual", estar a vista, o medo do recrudescimento era latente, e esta incerteza no futuro político do País, na falta de perpectiva econômica, afinal o "milagre econômico" tinha virado "pesadelo econômico", batia um certo desespero nas pessoas, na mesma música "A Palo seco", Belchior ainda era mais direto e incisivo, "Eu quero é que esse canto torto feito faca, corte a carne de vocês". Ouvir "Alucinação" e ler "As Veias abertas da América Latina" do ótimo Eduardo Galeano, era para fazer qualquer jovem ir as ruas lutar contra o establishment.

Este foi o segundo disco deste cantor e compositor cearense, que chegou como um verdadeiro vendaval, na letárgica MPB da época, se nada de novo havia nos arranjos, tudo era compensado pela qualidade extraordinária de suas composições, suas letras eram o reflexo fiel da incerta sociedade da época, medo, solidão, humilhação, segregação, violência, fantasias, delírios, costumes, juventude, certezas e incertezas, desespero, esperanças, romances, tudo passava pelo caldeirão sonoro de Belchior, sem ser piegas, contestatório ou chato, ele detonava e alertava, principalmente para os jovens, que o destino a eles pertenciam, "Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais. Longe o profeta do terror que a Laranja Mecânica anuncia! Amar e mudar as coisas me interessa mais" ensina ele na faixa título.

"Velha Roupa Colorida" e "Como nossos pais", duas das músicas mais emblemáticas deste trovador nordestino, a primeira, cheia de referências e saudosismos, tentava mostrar as mudanças pela qual a sociedade passava e a necessidade de seguir em frente com novos desafios, "Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer" (politicamente profético), para depois apontar os caminhos para o futuro "No presente a mente, o corpo é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais", na segunda, o alerta para a necessidade dos jovens procurarem novos caminhos e irem a luta "Viver é melhor que sonhar", a sociedade estava meio que paralisada devido ao estrago cultural e político ocasionado pela ditadura, era preciso um grito de alerta "Porisso, cuidado, meu bem! Há perigo na esquina. Eles venceram e o sinal esta fechado para nós, que somos jovens.". Estas músicas tiveram projeção nacional devido a magistral interpretação da superlativa Elis Regina, viraram sucesso instantâneos e entraram para o rol das melhores músicas do cancioneiro popular brasileiro, até hoje a interpretação de Elis não foi superada.

Com a força dada por esta grande descobridora de talentos (que falta que ela faz), é que o restante do País pôde descobrir músicas como "Apenas um rapaz Latino Americano" que virou hino de todos os jovens que tivessem alguma preocupação com si próprio, com seu destino e o destino do País, os tempos eram dificeis e Belchior soube como ninguém expressar o sentido de vida dos jovens da sociedade da época, não tinha como não se identificar com os seus versos, assim como Chico Buarque refletia os jovens nos anos sessenta e Renato Russo nos anos oitenta, Belchior foi quem melhor expressou as aventuras e desventuras dos rapazes latino americanos no final dos anos setenta, sempre numa linguagem muito próxima, como se ali estivesse um grande amigo dando-lhe conselhos, alertas, "Mas não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo. Isto é somente uma canção. A vida realmente é diferente. Quer dizer: ao vivo é muito pior."

Este disco é um verdadeiro tratado sociológico dos costumes sociais da época, um marco histórico da MPB, poucos discos mexeram tanto com os jovens quanto este, talvez só tenha paralelo apenas nos discos da Legião Urbana do já citado Renato Russo. O alvoroço causado na época do seu lançamento catapultou Belchior ao estrelato nacional, é verdade que depois deste, ele nunca mais conseguiu versos tão contundentes, apesar de lançamentos posteriores acima da média, pena que tenha literalmente desaparecido da mídia nacional.

Uma curiosidade: no enorme encarte com as letras do disco, em uma das faces, uma cópia de uma nota de dez dolares, com a foto central de Belchior e a sarcástica frase "IN GOLD WE TRUST".

Ano de lançamento: 1976
Ano de aquisição: 1976

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