segunda-feira, 29 de março de 2010

LP Desire - Bob Dylan

Mais uma obra prima do Bardo revolucionário, a fase setentista de Bob Dylan foi uma das mais profícuas e brilhantes de sua carreira, álbuns maravilhosos foram lançados onde ele explicitava toda a sua verve contestatória, apesar, ou por isso mesmo, de ter sido uma época difícil em seu relacionamento pessoal, época muito conturbada de sua vida pessoal, principalmente com o grande amor de sua vida sua ex-esposa Sara, a quem dedicou uma das mais belas canções deste LP, ele cantou o amor desesperado por Sara e as dores de uma separação amorosa, posto a toda prova e a todos.

Desire é um disco deslumbrante, o melhor de Dylan, segundo Alan Rinzler, autor do livro sobre seus discos. Musicalmente, é o mais perfeito, o mais brilhante, com a bela voz de Emmylou Harris colada à de Dylan, que está madura, forte, envolvente, emocionante. E há o violino estranho, meio cigano, de Scarlet Rivera sublinhando as melodias que fazem lembrar cantos judaicos. Inicia com a canção “Hurricane”, a mais violenta de todas as “canções de protesto” que Dylan compôs nos anos 60, sobre Rubin Carter, o Hurricane, um dos mais promissores pesos-médios do boxe americano da época, preso e condenado sob a acusação de um tríplice assassinato. Dylan garante que as testemunhas mentiram, dá o álibi que Hurricane apresentou e que “o júri branco” não considerou, denuncia o racismo do processo, investe contra a própria instituição do júri popular “como pode a vida de um homem desses estar na palma da mão de alguns idiotas?” em seus versos finais, qualquer semelhança com algum País Sul Americano, talvez não seja mera coincidência

“Não pude evitar sentir vergonha de viver em uma terra
Onde a justiça é um jogo
Agora todos os criminosos de terno e gravata
Estão livres pra beber martinis e ver o sol nascer
Enquanto Rubin senta como um Buda em uma cela minúscula
Um homem inocente no inferno
Essa é a historia do Hurricane
Mas não vai acabar até que limpem seu nome
E devolvam o tempo perdido
Colocado em uma cela, mas um dia poderia ter sido
O campeão do mundo”

Apesar de sua longa duração, o arranjo maravilhoso torna sua audição prazerosa, o violino ditando todo o ritmo, Dylan cantando como nunca, um verdadeiro clássico do cancioneiro americano. O álbum segue com “Isis” onde a indefectível harmônica de Dylan impera, para logo depois dividir o vocal com Emmylou Harris num estranho dueto em “Mozambique”, mas é em “On more cup of coffe” que há uma bela integração entre os dois, emoção, lamento, angustia e um certo desespero é transpassado em suas vozes, como se elas saíssem de suas almas, transformando em uma das mais desesperadamente belas das canções de Dylan. Fechando este lado, outro belo dueto com Emmylou em “Oh, Sister”, mais uma vez a integração dos dois é perfeita, pontuada pela harmônica de Dylan e o violino de Scarlet, transforma em mais uma bela canção deste sensacional disco.

“Joey” abre o outro lado, bela crônica sobre outro personagem real, Joey Gallo, descendente de italianos, gângster, mafioso, “rei das ruas, criança brincalhona”. “Romance in Durango” uma espécie de guarania do folk, onde mais uma vez brilha o dueto Dylan e Emmylou, mas é com “Sara” balada belamente triste, que fecha o disco que Dylan canta com o sofrimento da separação indesejada, rompimento de um amor eterno, em “Sara” não há simbolismos, não há metáforas; há a expressão clara, dolorosa de uma paixão. Dylan lembra imagens do passado comum, os filhos brincando com baldinho na praia, ou uma tarde passada em um bar de Portugal diante de uma garrafa de rum, entremeando essas recordações, o refrão: “Sara, Sara”, com elogios, agradecimentos, e, ao fim, uma súplica: “Sara, Sara, doce anjo virgem, doce amor da minha vida. Sara, Sara, jóia radiante, esposa mística, amar você é a única coisa de que não vou me arrepender nunca. Sara, Sara, bela mulher, tão cara ao meu coração, você precisa perdoar minha indignidade. Sara, Sara, ninfa glamorosa, não me abandone nunca, nunca vá embora”. Talvez, nunca um artista tenha se exposto tanto na sua vida pessoal como ele nesta música, provavelmente esta dor da separação tenha tido influência na grandiosidade das canções deste magnífico LP, Dylan estava com o coração aberto, emoção a flor da pele. Dor de amor para os gênios é uma fonte inesgotável de inspiração.

Um disco completo que só provou a grande genialidade deste músico que mesmo com o passar do tempo tem dado provas de que é um músico excepcional, que mereceu, merece e merecerá toda nossa admiração.

Para um disco tão excepcional, o seu lançamento em CD merecia uma atenção especial, projeto gráfico mal cuidado, sem as informações que havia no LP, um desrespeito ao artista e ao ouvinte, se era para lançar assim, era melhor que o não fizesse terrível.

Ano de lançamento: 1976
Ano de aquisição do LP: 1976
Ano de aquisição do CD: 10/1998

2 comentários:

  1. Lembro que, numa das inúmeras férias que eu passei no Recife, depois de ter voltado para morar em São Paulo, eu ganhei esse disco de presente dos meus amigos pernambucanos. Foi no aeroporto mesmo, pouco antes de eu embarcar de volta, e ele vinha com o autógrafo de todos eles. Foi um presente inesquecível, não apenas pelo disco em si, como o Robson explica bem na sua postagem, mas pelo fato de ele ter marcado uma época da minha vida também. Uma grande recordação musical e sentimental, que eu guardo com carinho até hoje.

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  2. Grande Marcão, me lembro bem desta passagem, todos pré adolescentes, grana curta, juntamos vários amigos para dar-lhe um disco de presente, e fui eu que escolhi este, pois já tinha gostado e sabia que você, com seu gosto musical refinado também iria gostar. Belas recordações.

    Abraços
    Robson

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