domingo, 17 de janeiro de 2010

DVD O CORPO - José Antônio Garcia






"Esse Marlon Brando é safado demais", reza Xavier no Cine Marabá, no centro de São Paulo, durante uma sessão de "O Último Tango em Paris". Depois de uma "noite do último tango" em casa, é Bia quem dispara: "você faz numa única noite o que o Marlon leva o filme inteiro para fazer"...

Que prazer rever "O Corpo", produção de 1991, ano em que ainda se voava de VASP pelos céus desse Brasil, como na cena final em que Carmem (Marieta Severo) e Bia (Cláudia Jimenez) se sentam nas poltronas de um avião, com nada menos do que um Daniel Filho posicionado entre elas e "recebendo o espírito" de um Xavier (Antônio Fagundes), que já virou rosas no quintal da sua própria casa...

Dirigido por José Antônio Garcia e baseado numa estória de Clarice Lispector, o filme é recheado de fantásticos momentos da mais pura e sofisticada tragicomédia urbana, daquela que só os grandes artistas - autores e intérpretes - podem nos oferecer, sem resvalar no vulgar, no óbvio ou no sem graça. E o filme é justamente o contrário de tudo isso.

Trata-se da estória de Xavier, um dono de farmácia mulherengo e boa pinta que vive, e muito bem, com as suas duas esposas na mesma casa. Depois da missa de domingo, por exemplo, que ele frequenta assiduamente com as duas companheiras, para escândalo geral, ele é alertado pelo delegado em vésperas de aposentadoria (Sérgio Mamberti) sobre as inconvêniencias do seu comportamento público, e dispara sem pestajenar: "Eu faço às claras o que os outros fazem escondido".

Tudo vai muito bem até o dia em que Xavier, desafiando não os padrões morais da sociedade, mas os padrões estabelecidos nos limites do seu lar e das suas companheiras, resolve arrumar uma amante, na verdade a prostituta Monique (Carla Camurati), que atende sempre com hora marcada e lhe proporciona momentos de extremo prazer quando verbaliza, no auge das suas atividades proibidas, o famoso "Goza, seu Filho da Puta"

Estória e interpretações de primeiríssima linha são completadas com nada mais nada menos do que a música de Paulo Barnabé e a coreografia de Leni Dale. O que dizer de um filme que tem participações especiais de Guilherme de Almeida Prado, Walter Hugo Khouri, Carlos Reichenbach e Arrigo Barnabé?

O filme é repleto de cenas antológicas, como por exemplo aquela do café da manhã tomado na cama à três, em que Carmem saboreia uma coxa de frango assado mergulhada numa lata de condensado. Ou quando Carmem, estimulada por Bia ("você merecia ser escritora... você já foi datilógrafa, para escritora é um pulo...") se investe de filósofa e propõe que "a saudade é um pouco como a fome, só passa quando se come a presença". Ou, ainda, quando Bia e Carmem confessam a noite de amor juntas ("o tempo custa a passar e a gente fica sem fazer nada...") e fazem o Xavier exprimir o seu mais puro sentimento de surpresa e admiração, seguido da curiosidade que não se realiza. "Felizmente ainda temos o Cauby", dispara uma Carmem vestida de preto sentada no sofá, enquanto o outro embala os corações da dupla ao som de "Blue Gardenia" pela TV preto-e-branco...

Apesar de não considerar que o filme seja datado, é fato que as cenas da viagem do trio ao Rio de Janeiro definitivamente deixaram uma marca ao incluir imagens dos letreiros dos locais mais badalados da época, como é o caso do Scala, do Oba-Oba e até mesmo da boate Help. Esse era exatamente o Rio de Janeiro do final dos anos 80 e início dos 90.

Sensual, colorido, passional, divertido, urbano e surpreendente, o filme faz parte inquestionável do grupo dos grandes clássicos do cinema nacional. Para se lamentar, apenas a qualidade da transcrição do filme para o DVD. Mereceria uma telecinagem de muito melhor qualidade.

Postado por Marcus Vinicius Midena Ramos

3 comentários:

  1. Olá, robson, seu texto está muito mais do que convidativo a este filme. Eu estudo Clarice Lispector há anos, mas nunca vi este filme (pecado sem perdão)! Nem no cinema, nem na TV... vou correndo procurar para vê-lo. Obrigado pelo bom momento proporcionado pela leitura do lei artigo.

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  2. Olá Miguel, o texto realmente é convidativo para se assistir ao filme, só uma correção, ele foi escrito por um amigo, colaborador do blog, o Marcus Vinicius, que tem uma cultura imensa. O interessante é que quando li a referência a Clarice, me veio a lembrança você, como estudioso dela. Ótimo que meu blog possa ter lhe dado esta pequena contribuição.
    Obrigado pela visita e apareça sempre.
    Abraços
    Robson

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  3. Sabem, por acaso se consigo baixar esse filme?
    Caso sim, me avisem por e-mail: thiagohcarmo@gmail.com

    Obrigado desde já.

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